O Século de Joanesburgo sentou-se com Sandra e Ri-cardo, o duo de irmãos luso-venezuelanos aquando da sua tournée musical pela África do Sul, que incluíu Joanesburgo, Pretória e Cidade do Cabo. Foi na Redacção do Século de Joanesburgo que os artistas nos revelaram como tudo começou na sua vida artística e os projectos futuros.
Michael Gillbee – Sandra e Ricardo, digam-nos como é que a aventura da música começou?
Sandra – Certamente. Nascemos na Venezuela, em La Victória, Estado de Arágoa, que fica a uma hora de Caracas. E, tudo na música pelo gosto dos nossos pais.
Aos domingos, por vontade do meu pai, era “obrigatório” ouvir música. Colocava canções de Portugal, do México e para nós foram influências importantes. Veio da mão da minha mãe que nos levava aos lugares como Casa da Cultura, coro infantil e na escola participávamos em festivais.
Até que eu, com oito anos, participei no meu primeiro festival e ganhei o terceiro lugar. A partir daí ingressei no coro. Antes, eu estava no ballet e o Ricardo na pintura.
Depois veio o teatro e nós achamos que um artista deve ser integral, deve poder actuar em todas as áreas.
“Sandra&Ricardo” começa no ano de 1994, na ilha da Ma-deira, numa noite latina e uma das nossas primas sugeriu cantarmos e tudo partiu daí.
Depois, na Venezuela começou um programa na televisão portuguesa chamado “Portugal: suas gentes, costumes e tradições”. Convidaram-nos para ir ao programa, o qual nos deu a conhecer por toda a Venezuela.
MG – São um duo que não se cingem apenas à Comunidade portuguesa?
S – Não.
Ricardo – Nós somos partidários de que a música não pode ter fronteiras. Temos actuados em vários espaços e em várias Comunidades. Podemos estar a cantar um Fa-do, mas a melodia é que une os povos.
Como a música não tem limites nem nacionalidades, tentamos chegar à maior quantidade de pessoas possíveis. Levando sempre em alto o nome de Portugal.
80% do nosso reportório é música portuguesa. Por isso, quando somos considerados, queremos ser considerados como cantores internacionais.
MG – A Sandra de profissão é jornalista. E o Ricardo?
R – Publicitário.
MG – Não vivem da música?
R – Sim e não. É um complemento. Sou publicitário e da área de marketing, a Sandra é jornalista. Imagina, um cantor sem publicidade, sem marketing não sobrevive, sem contacto com os meios de comunicação não sobrevive. Acho que tem sido um complemento.
MG – A minha pergunta é: vocês não fazem da música a vossa profissão a tempo inteiro?
S – Não. Para nós têm o mesmo peso.
R – Não é um hobby, é um trabalho.
S – Tanto a música como o jornalismo para mim são as minhas profissões e o Ricardo igual.
MG – Ambos têm originais ou fazem apenas covers?
S – Fazemos covers, com novos arranjos, gostamos muito de fundir a música latino-americana com a portuguesa. Mas também temos temas originais, no nosso se-gundo álbum quase todo ele é composto por originais nossos.
MG – São vocês que escrevem a letra e a música?
S – Sim as duas coisas
R – Em todos os álbuns temos tido experiência com pessoas que escrevem letras e compõem música, não só portugueses. No último álbum tivémos a participação de músicos portugueses, latinos, de Aruba, da Alemanha e dos Estados Unidos. Teve uma abertura muito grande a todas as expressões artísticas.
MG – Esta é a vossa terceira vez na África do Sul. Qual é a vossa impressão do país?
S – Primeiro, sinto-me como em casa. Sem dúvida alguma é muito parecido à Venezuela e à cultura da Venezuela. O estar à vontade, as pessoas carinhosas, gera alegria e muita dança que em Portugal não se vê tanto. O clima, as paisagens são também parecidas.
Cada viagem é diferente e gostei muito desta vez porque conheci outras coisas e aprofundado as ligações com o que tínhamos feito anteriormente.
Vejo que há uma Comunidade muito grande aqui. Gosto também que aqui não deixam perder as datas e os momentos. Pudémos ver cinco e seis festas num fim-de-semana… isso é bom. E é mau porque não se pode ir a todo o lado ao mesmo tempo.
O ponto negativo é que vejo que os jovens devem fazer mais parte e isso é trabalho dos pais e avós. Não pensem que os jovens vão sozinhos por eles, porque não vão. Têm que ser ensinados e motivados a ir.
MG – Em termos de público, é igual ao da Comunidade portuguesa na Venezuela e em Portugal? Como é que foram recebidos enquanto artistas e a vossa música?
R – Há certos aspectos que são diferentes, que fazem parte dos diferentes países, tradições e por aí adiante. Mas, Portugal é igual em todo o lado. Nós sentimos carinho, seja em que região for, porque trabalhamos o bem comum que é levar o nome da música portuguesa a todo o Mundo e dar a conhecê-la noutros espaços.
Quanto ao público, como a Sandra disse, nós sentimo-nos em casa. Em cada associação e clube é sempre dife-rente, mas a maneira de sentir e ouvir a música e a nossa cultura lusa é igual.
O convite foi-nos feito pela Academia-Mãe do Bacalhau este ano para actuarmos no jantar de Natal da Academia e no Magusto do Lar Rainha Santa Isabel, o qual agradecemos muito o convite do presidente José Contente e a toda a equipa espectacular.
Também ao compadre Carlos Borges e ao senhor comendador SP Pereira, porque graças aos três fizeram a nossa vinda cá uma realidade.
S – Uma das coisas que eu queria dizer na parte do público, era que nós fomos criados com a finalidade de unir. Para nós Portugal é sempre para a frente e não deve haver discriminações nem divisões. Portugal é só um, com várias regiões, mas é só um país.
MG – Estariam abertos a fazer uma colaboração com um artista local?
S – [sorri abertamente] Sim, pensámos. Até queríamos ver se seria possível agora, mas o tempo tem sido curto. Gostamos muito de fazer fusão e misturas.
Estivémos a ver músicas locais e para a próxima, se Deus quiser, poderemos vir já com algumas coisas combinadas para fazermos uma colaboração, porque a intenção é fazer tudo de uma só vez: música e vídeo.
MG – Falo também de artistas comunitários como Ro-berto Adão, Leandro Coimbra, Diana-Lee Moniz, entre outros…
S – Sim, seria muito bom.
R – Nunca estivémos fechados a nada. Sempre que se visita uma Comunidade, há sempre um artista local que abre o concerto. É de louvar a existência de artistas jovens que não vai deixar morrer o que os nossos avós e pais conseguiram construir. E, faço um apelo: aos jovens, que nas áreas todas, continuem a apostar em Portugal.
MG – Vocês vêem que na Venezuela a Academia do Bacalhau é uma fonte de ajuda?
S – É, é muito. A Academia foi criada com uma grande força. Existe o Rotary Club, mas a Academia passou a ser uma referência não só para os Portugueses. Num jantar na Academia, participam várias Comunidades não só a portuguesa. Em Caracas, Maracay, Los Teques, Valencia e querem se criar mais.
Claro, a situação agora é muito má, porque nem bacalhau há. Mas, até com atum se fizeram os pratos, portanto arranja-se sempre uma solução quando a finalidade é fazer o bem, é ajudar os outros que precisam. A nível social ajudam muita gente.
MG – As Academias, agora, aliviam bastante a população portuguesa?
R – Há muitas dificuldades. O trabalho da Academia tem sido de apoio em todos os cantos do Mundo, na França, na África do Sul e ajudam muito as suas Comunidades e aquilo que temos visto, na Venezuela, as Academias ajudam muito sim.
O papel das Academias hoje é vital, para a Comunidade não se sentir esquecida!
Fazemos também um apelo às autoridades portuguesas, que têm competência nessa área, que não se esqueçam dos portugueses na Venezuela e noutras Comunidades. Há muitos a passar muitas dificuldades em qualquer canto do Mundo.
S – A nível da Academia, pessoas pensam que é um encontro de “senhores” onde apenas se come, tipo uma brincadeira e não é assim. Nós vivemos na pele a ajuda. O nosso pai teve que ser submetido a uma cirurgia de urgência especializada e nós não tínhamos fundos para a operação. O médico que atendeu o meu pai é compadre da Academia e ele disse-me “Sandra, porque é que não falas à Academia do Bacalhau?” Falei então com o presidente da Academia e apoiaram em três dias com uma contri-buição muito importante. Es-tiveram no dia da cirurgia, acompanharam sempre a re-cuperação do meu pai.
Portanto, esse convívio, essa amizade não é apenas para comer um prato de bacalhau e passar umas horas. É isso, mas a Academia vai muito mais além!
MG – O que é que acharam da instituição que a Academia apoia? A Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Lar Rainha Santa Isa-bel?
R – Excelente! Foi um jantar de gala muito bem organizado, vimos a vontade da Comunidade em aderir. Fazemos é o apelo aos filhos e netos para aderirem a essas ideias, às instituições, porque os pais estão a fazer um trabalho formidável, que é juntar, que é manter e fazer. Muitas pessoas falam e não fazem. A Academia-Mãe tem feito, é a realidade. É acção, levar a cabo coisas.
MG – Para vocês, qual é o balanço que Sandra&Ricar-do fazem desta tournée?
R – [sorri] Excelente!
S – Excelente. Como disse, temos conhecido pessoas e espaços novos. Viemos ver actividades e vida comunitária forte.
MG – Fizeram contactos para próximas visitas?
S – Sim, se Deus quiser vamos estar em breve outra vez na África do Sul.
R – Não nos querem deixar ir embora. Já nos disseram: “vocês têm que ficar cá!” Para mim, ficar cá é como estar em casa.
Queremos chegar ao maior número de pessoas possível, não queremos ficar fechados num hotel ou numa casa. Vamos ao encontro da Comunidade, para marcar presença.
O ano passado foi mais Pretória. Este ano mais Joanesburgo e Cape Town. Ainda falta Durban, o Free State… tocar os cantos que ainda não estão. Chegar a Moçambique, Angola, Botswana, fazer o que Vasco da Gama fez!
MG – Projectos futuros para Sandra&Ricardo?
R – Muitos [ri]
S – Bem, este novo ano de 2018 tem muitas coisas à nossa espera. Temos um projecto chamado “Herança Semeada” que é o trabalho directo com orquestras, bandas e agrupamentos dos locais onde vamos actuar. Já fizemos cinco na Madeira, seis na Venezuela e estamos a combinar noutros espaços. E são espectáculos que depois saem em DVD.
R – Temos visitas a várias Comunidades confirmadas também.
MG – Uma mensagem à Comunidade portuguesa da África do Sul?
R – O principal é que continuem a manter os costumes e tradições. A cultura e arte é algo que a Comunidade deve apoiar sempre, porque somos embaixadores que vamos unir uma Sociedade.
A música, a arte e cultura unem um povo, beneficia a todos. Aos pais, falem em Português com os filhos e levem-nos aos clubes e associações. Levem-nos também a Portugal, o do Século XXI.
S – E leiam o Século, porque é em Português e podem aprender melhor! [dá uma gargalhada].
Também está que a união faz a força, se se unem todos é mais fácil ultrapassar os obstáculos.
R – E parabéns ao Século, pela sua história. Acho que existem poucos meios de comunicação de língua portuguesa no Mundo como o Século de Joanesburgo. Se não houvesse Século, como é que a Comunidade ia saber as actividades, noticias e tudo?
S – É um meio estável, constante e que está sempre presente. É algo que nós Sandra&Ricardo apostamos, estar sempre presente!